As lições práticas e éticas das Fábulas de Esopo tornaram-se parte integrante da nossa cultura. Não é raro citarmos o ateniense sem nos apercebermos. No entanto, o seu legado e as suas histórias continuam a ser um poço de conhecimento e de discernimento. E, na minha opinião, ainda nem sequer arranhámos a superfície. Nesta publicação do blogue, vamos explorar as Fábulas de Esopo na perspetiva da Mitologia Aplicada.

Uma das minhas primeiras recordações de infância é ter na mão um livro grande e colorido com histórias sobre raposas, corvos e reis preguiçosos. Só recentemente, depois de delinear a metodologia da mitologia aplicada, é que me apercebi!

Esse livro era o "Fábulas de Esopo".

Tentei encontrá-la em caixas velhas e prateleiras empoeiradas, mas infelizmente perdeu-se, mas as lições que tirei dela ainda estão enraizadas na minha psique.

Uma das razões é que... nunca deixámos de contar estas histórias - mesmo quando nos tornámos adultos.

As origens, as raízes, de muitos adágios e sabedoria folclórica são as Fábulas de Esopo.

Mas, na maior parte das vezes, é o facto de serem uma expressão da nossa psique. Têm uma base mitológica no sentido em que servem um propósito etiológico. Contêm uma explicação significativa dos nossos comportamentos emocionais.

Hoje, em muitos casos, vemo-las como histórias de embalar para crianças. Mas e se conseguíssemos transcender estas limitações e as víssemos através do prisma da mitologia aplicada?

A mitologia por detrás das fábulas de Esopo

Antes de analisarmos alguns destes contos, precisamos de compreender o contexto - e o homem por detrás de tudo.

Tal como muitos escritores gregos antigos, Esopo tornou-se o substituto de todos os escritos que não têm um autor formal!

Apesar de ter sido real, a certa altura os gregos começaram a associar o seu nome a todo o tipo de histórias e gnomika. Numerosos contos de várias culturas e através dos tempos foram atribuídos à sua identidade "arquetípica".

A verdadeira identidade de Esopo

A influência do célebre fabulista foi documentada por Aristóteles, Aristófanes, Sócrates e muitos outros, e podemos observar a aculturação da sua personagem em várias civilizações.

O que é interessante aqui é que ele pode ser o criador das personagens animais antropomórficas, que influenciaram os contos populares medievais.

Embora pouco se saiba sobre Esopo, algumas fontes afirmam que ele era horrivelmente feio e tinha a marca de um escravo.

Mas, graças ao seu intelecto e à sua inteligência, conseguiu libertar-se dos grilhões e ascender socialmente, acabando por se tornar um consultor de confiança dos Reis.

No século XX, o interesse académico pelo homem misterioso e pelas suas fábulas originais aumentou.

Seja como for, eu diria que o seu modo de escrever revela uma forma nativa de organizar a informação sobre a realidade através de contos, e a utilização de animais como espaços reservados para o lado tribalista dos humanos.

A Esopopeia

Apesar de normalmente associarmos Esopo a fábulas mornas e engraçadas para crianças, talvez ache interessante o facto de as histórias originais terem como objetivo ser uma crítica moral incisiva à política, à religião e à filosofia.

Para os gregos, a sátira exprimia sempre o sentimento das pessoas comuns, opondo-se ao pensamento intelectual mais refinado, mas divorciado da realidade.

Uma vez solidificada esta forma de contar histórias, foi utilizada como ferramenta por vários escritores. O espírito de Esopo viajou pelo mundo, pela Europa, Ásia, África, etc.

Encontramos a essência das suas histórias na tradução aproximada do crioulo das Caraíbas ou na versão calão de Sir Roger, dando voz às minorias e aos desfavorecidos.

Durante a Renascença, os dracmas tinham um carácter pedagógico, especialmente para as crianças, dispensando regras morais condensadas.

Qual a influência das fábulas de Esopo?

Penso que não conseguimos apreciar o quão poderoso é este género de escrita. Creio que é talvez a arte literária mais influente e conhecida, proveniente da antiga civilização grega e romana. Mas está tão profundamente enraizada na nossa cultura, que não fazemos a ligação que algumas das citações que usamos todos os dias pertencem a Esopo.

Vou escrever 40 citações de Esopo e ficarás surpreendido com a quantidade de citações que já conheces.

Citações de Esopo

  1. "Olha e vê para que lado sopra o vento antes de te comprometeres."
  2. "Quem negligencia os velhos amigos por causa dos novos, merece o que lhe acontece se perder ambos"
  3. "Um homem é conhecido pela companhia que mantém"
  4. "Não posso ser amiga de um homem que sopra quente e frio com o mesmo fôlego."
  5. "É fácil desprezar o que não se pode obter"
  6. "Não espereis recompensa quando servirdes o malvado, e agradecei se escapardes ao ferimento pela vossa dor"
  7. "A autoajuda é a melhor ajuda"
  8. "Nenhum ato de bondade, por mais pequeno que seja, é desperdiçado."
  9. "Trai um amigo, e muitas vezes descobrirás que te arruinaste a ti próprio."
  10. "Um amigo duvidoso é pior do que um inimigo certo. Que um homem seja uma coisa ou outra, e então saberemos como encontrá-lo."
  11. "Não deixes que o teu carácter e valores especiais, o segredo que conheces e que mais ninguém conhece, a verdade - não deixes que isso seja engolido pela grande complacência mastigadora."
  12. "Nunca confies nos conselhos de um homem em dificuldades."
  13. "Enforcamos os pequenos ladrões e nomeamos os grandes para cargos públicos."
  14. "Roupas finas podem disfarçar, mas palavras tolas revelam um tolo"
  15. "Depois de tudo o que foi dito e feito, mais é dito do que feito."
  16. "Se escolheres maus companheiros, ninguém acreditará que tu próprio não és mau."
  17. "Não se acreditará no mentiroso, mesmo que ele diga a verdade."
  18. "Os que choram mais alto nem sempre são os que mais sofrem"
  19. "É fácil ser corajoso a uma distância segura."
  20. "Agrade a todos e não agradará a ninguém".
  21. "Unidos estamos; divididos caímos".
  22. "A necessidade é a mãe da invenção".
  23. "Ninguém acredita num mentiroso, mesmo quando ele diz a verdade"
  24. "Cuidado para não perderes a substância por te agarrares à sombra."
  25. "Mais vale feijões e toucinho em paz do que bolos e cerveja no medo."
  26. "Não são só as penas finas que fazem os pássaros bonitos."
  27. "A lesão que fazemos e a que sofremos não são pesadas na mesma balança."
  28. "A adversidade testa a sinceridade dos amigos"
  29. "O espetáculo exterior é um mau substituto para o valor interior."
  30. "Uma vez lobo, sempre lobo."
  31. "Pouco a pouco faz o truque".
  32. "Dar assistência, não conselhos, numa crise."
  33. "Ao tentar agradar a todos, não agradou a ninguém."
  34. "Aquele que está sempre a ceder aos outros acabará por não ter princípios próprios".
  35. "Muitas vezes damos aos nossos inimigos os meios para a nossa própria destruição"
  36. "Os que mais sofrem são os que menos gritam".
  37. "Nenhum argumento, por mais convincente que seja, dará coragem a um cobarde"
  38. "O infortúnio testa a sinceridade dos amigos."
  39. "A persuasão é melhor do que a força."
  40. "Mais vale uma côdea comida em paz do que um banquete partilhado com ansiedade."

Acho que já me fiz entender...

Não sei quanto a si, mas pessoalmente, já vi estas afirmações citadas em filmes, programas de televisão e até em discursos políticos!

As fábulas de Esopo são consideradas mitologia?

A sua função etiológica, bem como a sua tendência para criticar a religião, tornam-nas parte integrante da mitologia.

Talvez não seja o tipo de epopeia a que estamos habituados, mas faz parte da tradição oral e da narração de histórias.

Do meu ponto de vista, considero-os uma das primeiras formas de mitologia aplicada, no sentido em que mitologizavam a vida quotidiana. Enquanto Homero delineava personagens arquetípicas, Esopo mitologizava o vizinho, os patrões invejosos ou o vendedor ansioso do stand de automóveis.

O que está no centro da metodologia da mitologia aplicada.

Além disso, o elemento de antropomorfismo tira partido das nossas tendências atávicas, mas, mais importante ainda, desloca a nossa reação automática à crítica. Afinal, é um lobo que fala, a história não é sobre mim... certo?

É claro que nem todos os contos de Esopo incluem animais, mas praticamente todos emprestam comportamentos animalescos, no contexto desta visão filosófica particular; as pessoas acreditavam que os animais eram mais numerosos do que os seres humanos, e muitos deles mantiveram a sua mentalidade de besta, mas adoptaram a forma humana.

Ao mesmo tempo, o primado da racionalidade, que distingue o animal do homem, é defendido nos mitos de Esopo.

3 As fábulas de Esopo e o seu verdadeiro significado

Como sempre, quero fundamentar a teoria abstrata em exemplos tangíveis. Afinal de contas, é aplicado mitologia de que estamos a falar.

Vejamos 3 das fábulas de Esopo e como as pode utilizar na sua vida.

Claro que algumas delas podem parecer demasiado óbvias, mas se formos um pouco mais fundo, verá que há mais do que parece...

1. O LOBO E O PASTOR

Índice Perry 234 (tr. Laura Gibbs)

"Um lobo seguia um rebanho de ovelhas sem lhes fazer mal. No início, o pastor vigiava o lobo como um inimigo potencial do rebanho e nunca o perdia de vista. Mas como o lobo continuava a acompanhar o pastor e não fazia qualquer tipo de tentativa de assaltar o rebanho, o pastor acabou por começar a considerar o lobo mais como um guardião do rebanho do que como uma ameaça.Então, quando o pastor teve de ir à cidade, entregou as ovelhas ao lobo na sua ausência. O lobo aproveitou a oportunidade e atacou as ovelhas, matando a maior parte do rebanho. Quando o pastor regressou e viu que o seu rebanho tinha sido totalmente destruído, disse: "É bem feito! Como é que eu pude confiar as minhas ovelhas a um lobo?

A lição original é simples: não se pode confiar as ovelhas a um lobo esfomeado, da mesma forma que não se pode confiar o dinheiro a um homem ganancioso.

Mas eu proponho uma interpretação ligeiramente diferente: o lobo representa a natureza humana - a nossa sombra junguiana.

A natureza humana não muda e, por isso, enquanto a mantivermos sob controlo, estaremos bem. Mas quando deixamos o nosso lado negro sem vigilância, sem integração, ele virá morder-nos. E não morderá uma ou duas ovelhas; comerá todo o rebanho!

2. ZEUS E OS BURROS

Índice Perry 185 (tr. Laura Gibbs)

"Os burros, cansados de carregarem fardos e de trabalharem todos os dias da sua vida, enviaram embaixadores a Zeus, pedindo-lhe que os libertasse das suas fadigas. Zeus, querendo mostrar-lhes que tinham pedido algo impossível, disse-lhes que o seu sofrimento terminaria no dia em que mijassem num rio. Os burros levaram-no a sério e, até hoje, sempre que os burrosse virem onde outro burro mijou, param e mijam no mesmo sítio".

Em primeiro lugar, esta pequena fábula é o exemplo perfeito da razão pela qual as fábulas de Esopo não se destinavam a crianças, uma vez que pertence à escatologia.

Em todo o caso, a interpretação comum é que não se pode escapar à fé que lhe foi atribuída e, embora isso possa ser verdade... eu acrescentaria que não se pode escapar ao destino SE se estiver a fazer o mesmo que todos os outros fazem sem obter resultados diferentes.

A chave está na última frase: o burro é um homem ou uma mulher que não procura desenvolver a sua capacidade de ação pessoal e, em vez disso, procura soluções externas para os seus problemas individuais.

3. O HOMEM E A ESPADA

Perry Index 579 (tr. Laura Gibbs)

"Um viajante caminhava e encontrou uma espada caída na estrada. Perguntou à espada: "Quem te perdeu?" A arma respondeu: "Um homem perdeu-me, mas eu causei a perda de muitos homens!""

Magoamos os outros porque nos magoamos a nós próprios. Os nossos hábitos auto-destrutivos podem potencialmente criar efeitos de segunda ordem inimagináveis nos outros.

É algo em que devemos pensar quando nos entregamos a comportamentos aparentemente egoístas.

Utilizar a mitologia como ferramenta

Tal como uma profecia de Delfos, estes contos estão repletos de camadas de conhecimento; só é preciso trabalhar um pouco para as desvendar.

A mercantilização da narração de histórias estragou-nos no sentido em que esperamos guiões e enredos simples, mas a mitologia antiga contém múltiplas interpretações, sendo quase uma tela em branco onde podemos projetar os nossos pensamentos e filosofia.

Quando se olha para um mito através do prisma da mitologia aplicada, é preciso ter isto em mente: não se está a ler uma história, mas sim a ler a organização da nossa psique através de palavras e arcos, encontrando frequentemente emoções e sentimentos à espreita no limite da nossa consciência.

Assim, enquanto outros lêem as fábulas de Esopo como uma história de embalar para crianças, você olha para elas pelo que elas são: material de estudo para o auto-aperfeiçoamento.

P.S. Nos próximos meses, falaremos mais sobre mitologia aplicada, mas, entretanto, deixe as suas sugestões nos comentários abaixo!