A revelação da ligação entre a psicologia e a alquimia exaltou ambas as disciplinas, transformando-as em ferramentas poderosas para a individuação, interpretação de mitos e sonhos e integração das sombras. Mas as ideias erradas sobre a verdadeira natureza da alquimia desencorajam muitas vezes as pessoas de estudarem seriamente este tópico. Neste post do blogue, vou apresentar uma análise aprofundada da Magnum Opus alquímica.

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Embora não seja um académico de forma alguma, passei uma quantidade considerável de tempo a investigar estes dois assuntos aparentemente não relacionados.

A minha viagem começou quando ainda era adolescente. Depois de encontrar uma bela " livro silencioso" da Taschen repleto de símbolos alquímicos, fiquei apaixonado pelos mistérios e segredos escondidos nas gravuras e nas tábuas.

Naturalmente, não fazia ideia por onde começar a aprender mais sobre a arte perdida da alquimia. O facto de haver tantas ideias erradas a circular na Internet não ajudava. Cada símbolo, cada pintura, confundia-me ainda mais. Era química? Ou astrologia? Ou uma ciência oculta?

Felizmente, começaram a surgir padrões. Comecei a reparar em certas semelhanças, métodos e mitos. Estas pessoas, estes "místicos" não eram supersticiosos a escrever ficção, não. Eram cientistas sérios e empíricos a tentar desvendar os segredos da realidade.

Realizavam experiências de laboratório que provavam ou refutavam as suas hipóteses, refinavam metais e criavam misturas terapêuticas. Mais importante ainda, realizavam psicanálise.

"Esperem, esperem, esperem... Parem com isso! O que é que a psicanálise tem a ver com a alquimia?"

Vamos dar um passo atrás antes de fazermos a ponte entre o material e o espiritual.

A verdade é que, para compreender a alquimia, é preciso entender de onde ela vem e qual é o seu objetivo.

Um objetivo modesto para a parte 1 da Alquimia Psicológica 101 seria uma visão geral mito-histórica da Grande Ciência, bem como uma análise dos seus símbolos e processos mais famosos.

A grande ciência

Seria de esperar que os nossos métodos modernos conseguissem descobrir com precisão as origens e o objetivo da alquimia, certo?

Bem, uma conclusão pouco convincente é que se trata apenas do antecessor da química moderna. De facto, em alguns aspectos, é. Muitos dos métodos, ferramentas e terminologia que utilizamos nos laboratórios de todo o mundo provêm de manuscritos antigos e poeirentos de praticantes medievais.

Infelizmente, também temos tendência para ver a alquimia como uma versão inferior do método científico moderno.

Se começarmos a investigar o assunto descartando a priori a sua validade, apenas rasparemos a superfície. Porque, deixem-me que vos diga, estes adeptos eram extremamente protectores dos seus métodos, enchendo os seus diários com metáforas e cifras para as quais apenas outros adeptos tinham as chaves.

É também por isso que, até ao início do século XX, o mundo pós-iluminista associava a alquimia à superstição e a crenças antiquadas sobre o mundo.

Acreditava-se que tudo o resto, incluindo as ciências exactas, mas também a mitologia e a filosofia, derivava do processo espagírico.

As origens da Alquimia

Crédito da imagem: //www.sciencehistory.org

Já falámos muitas vezes sobre o facto de a mesma história mitológica surgir em diferentes regiões. Um fio escarlate que une as tradições sagradas das civilizações. Uma teologia prisca, se quisermos.

A alquimia tem as mesmas raízes. Quer se vá para o Oriente ou para o Ocidente, ver-se-á que as pessoas, depois de muitas experiências, chegaram às mesmas conclusões sobre a natureza da realidade. Mas o que é mais impressionante é o simbolismo e as imagens comuns que utilizavam.

Embora me queira concentrar na tradição alquímica ocidental (uma vez que é aí que nos vamos basear na parte 2 deste post), é importante destacar os temas subjacentes:

  • O ramo chinês da alquimia estava mais próximo do taoísmo e da medicina. Procuravam o elixir da vida, uma panaceia universal semelhante à pedra filosofal. O conceito esquemático de Wuxing é semelhante à teoria aristotélica dos 4 (+1) elementos. Um feito notável dos alquimistas chineses é a descoberta da pólvora.
  • Os Vedas mencionam a ligação entre o ouro e a vida eterna, mas o lado espiritual da alquimia era mais proeminente, visando a criação de um corpo divino que viveria após a dispensa do soma corpóreo. Ainda assim, vemos muitas referências a misturas que prolongam a vida e menções à transformação de metais comuns em metais nobres (particularmente em textos budistas).
  • Eventualmente, o mundo islâmico assumiria o manto e desenvolveria ainda mais os conceitos em teoria prática, criando uma filosofia holística e natural.

Mas, na minha opinião, tudo começou há milhares de anos, num pequeno triângulo no Mediterrâneo.

Hermes Trismegisto

Crédito da imagem: //thecultmachine.com

No caso da alquimia, os segredos da Grande Obra foram transmitidos do Egipto antigo para a Grécia e, consequentemente, para o mundo helenístico em geral.

Este tipo de sincretismo resultou na criação de uma figura mítica, que toma emprestados elementos do deus egípcio Thoth e do deus grego Hermes.

Esta personagem lendária era um mestre da magia, da alquimia, da ciência, da astrologia, etc. Apareceram muitas histórias sobre o Três Vezes Maior, mas acredita-se que rapidamente se tornou uma "divindade" provisória, em que várias pessoas usavam o seu nome como pseudónimo.

No entanto, a sua influência estendeu-se por milhares de anos, criando a corrente filosófica do Hermetismo.

Enquanto o pensamento moderno se ocupa de temas e assuntos muito específicos, modestos na sua capacidade de extrair ensinamentos de outras disciplinas, o Hermetismo procurou unir todos os aspectos da realidade num sistema capaz de explicar tudo.

Isto inclui a história, a matemática, a física, a religião, a astrologia, a literatura, a ética, a ciência política, etc.

Mais importante ainda, esta cosmologia colocava o homem numa viagem de apoteose (ou, na terminologia moderna, de individuação) em que o próprio processo alquímico de unir diferentes elementos está a acontecer dentro de nós.

(Há uma grande diferença entre a atitude atual em relação à ciência e a atitude do hermetista, que acreditava que se o seu trabalho não fizesse progredir a humanidade e se não fosse humilde e de boa vontade, os seus esforços fracassariam. Numa frase, o seu princípio orientador: "só porque podes, não significa que devas")

A Tábua de Esmeralda e o Corpus Hermeticum

Embora seja difícil definir a filosofia do Hermetismo, a sua melhor aposta são estas duas fontes:

  • A Tábua de Esmeralda era considerada um texto fundamental para os alquimistas do mundo islâmico, contendo passagens crípticas que revelavam, aos iniciados, os segredos da Pedra Filosofal e os mecanismos ocultos da realidade.
  • O Corpus Hermeticum é uma coleção de textos atribuídos a Hermes Trismegisto, que oferece uma visão panóptica da cosmogonia básica da filosofia hermética e que contém múltiplos tratados, expondo temas como Nous (mente), Deus, Matéria, etc.

Nos últimos anos, os estudiosos têm-se esforçado por articular o significado exato destes dois manuscritos. Houve tentativas de destilar a mensagem central, mas compreender a Hermética é uma viagem que dura toda a vida.

Princípios herméticos

Crédito da imagem: //process.fs.teachablecdn.com

Se se pergunta o que é que o hermetismo tem a ver com a alquimia psicológica...

Bem, o hermetismo é alquimia psicológica, apenas vestida com roupas diferentes, adequadas a cada época.

O cientista hermético acreditava numa relação micro/macrocósmica entre a matéria e o espírito, o homem e o universo. O que quer que acontecesse no exterior, acontecia no interior. E isso leva-nos à pedra angular e ao primeiro princípio fundamental:

1. como em cima, assim em baixo

Tal como dentro, tal como fora. Penso que toda a gente nesta altura já ouviu esta frase. É uma tradução aproximada de:

"Quod est superius est sicut quod inferius, et quod inferius est sicut quod est superius."

Em termos práticos, significa que podemos observar fenómenos físicos e tirar conclusões sobre o mecanismo interno da nossa psique. O próprio universo é a realidade projectada do inconsciente humano.

2) Prisca Teologia

Crédito da imagem: //nftaggregator.io

As religiões são apenas manifestações de excentricidades culturais de um mesmo espírito. Um Deus único, dividido em múltiplas emanações, a começar pelos quatro elementos. Ele é o Παν Ele experimenta a consciência através da sua desdiferenciação em opostos duais.

(Já estão a ver as ligações?)

3. três partes da sabedoria

Acredita-se que, para compreender a realidade, são necessárias três áreas-chave de especialização.

  1. Alquimia, a Operação do Sol Aqui, o praticante procura aperfeiçoar a matéria, bem como a sua própria biologia, revelando os mistérios da vida, da morte e da ressurreição.
  2. Astrologia, a operação dos astros Os hermetistas sabiam muito bem que a astrologia é um quadro metafórico que fala do Nous do Todo, em vez de descrever os movimentos físicos dos astros.
  3. Teurgia, a operação dos deuses Existe um mecanismo interno em todos os seres humanos que os ajuda a "ascender" a sua dualidade e a alcançar a unidade com o Um. Ou, em termos psicológicos modernos, sem jargão esotérico, individuação.

A chave para as duas últimas operações é a alquimia, pois ela é o azul da criação, contendo as instruções para tudo o resto.

Alquimia Medieval (Desembuchando...)

Crédito da imagem: //www.factinate.com

OK, penso que a última secção deste post deveria ser sobre a definição da terminologia.

Lembram-se de eu ter dito que o meu primeiro contacto com a alquimia foi através destas belas pinturas e esboços num livro?

Bem, aos poucos fui descobrindo o simbolismo por detrás delas. É uma tarefa assustadora no início, mas se a fizeres uma vez, tudo o resto faz mais sentido. Vou dar-te alguns recursos para te aprofundares mais, uma vez que muito deste material é gratuito, mas mesmo assim precisas da Chave.

O objetivo da alquimia é pegar na matéria bruta e dividi-la em duas, depois em três, depois em quatro partes, purificá-las e recombiná-las para obter o Elixir da Vida, o lapis philosophorum, a Pedra.

Matéria bruta = Prima Materia É simbolizado por uma serpente enrolada, o Ouroboros, que simboliza a morte e o caos.

Fumos vermelhos e brancos, Leão e Águia, Sol e Lua, Homem e Mulher. Estes são Sol e Luna, a natureza dual de tudo, e as primeiras substâncias a sair da matéria bruta.

O Tria Prima. Mercúrio, Enxofre e Sal = Espírito, Alma, Corpo. Tudo é feito destas três substâncias filosóficas.

Os Quatro Elementos. Fogo, Água, Ar, Terra. Destilando ainda mais o tria prima.

7 Planetas Clássicos Repara que o número 7 é muito frequente, pois representa os planetas, os sete passos do processo alquímico, bem como os metais comuns conhecidos na altura.

OK, agora vamos pegar numa imagem aleatória e usar o que foi dito acima para a decifrar.

Vemos um dragão ( matéria bruta ), a lua e o sol ( sol e luna ), uma bola vermelha, branca e preta ( o tria prima Estas são as gotas que se vêem no laboratório quando os fumos começam a condensar no gargalo do balão e voltam a descer para o fundo.

Faz sentido, certo? Embora outras imagens sejam muito mais difíceis de interpretar (como o Pergaminho de Ripley), pode agora tipo Não esquecer que nem todos os alquimistas concordavam uns com os outros, pelo que cada um utilizava uma versão ligeiramente diferente do processo.

Pode encontrar mais simbolismo e informações aqui e aqui.

Mitologia espagírica

Crédito da imagem: //thedruidsgarden.com

Antes de vos deixar ir embora, penso que é importante exprimir uma ideia-chave que liga a mitologia e a alquimia. Se passarem algum tempo a estudar o material original, verão que muita da terminologia é mitopoética.

Há correspondências entre deuses, planetas, animais, metais, plantas, etc. Fala-se de "espírito" e alma, demónios e criaturas mitológicas que reside no frasco em ebulição do alquimista.

Poderá também reconhecer uma estranha ligação entre a narrativa de certos mitos e os passos do processo alquímico, especialmente em pinturas.

Agora, a grande questão é... o que veio primeiro? O mito ou a química?

Não responda de imediato, quero que reflicta um pouco sobre isso. Dar-lhe-ei a minha resposta no próximo post e explicarei porquê e como a psicanálise junguiana é sobretudo um processo alquímico.

Fique atento.