A mitologia está sempre presente na nossa cultura. Os mitos contados há milhares de anos ressurgem e tomam a forma de novas histórias, relevantes para a nossa vida moderna.

A partir de livros e filmes inspirados na mitologia, ficamos fascinados com a profundidade e a perspicácia destas lendas.

Mas uma forma de arte que encapsulou verdadeiramente a essência destas histórias mitológicas são os videojogos.

A mitologia nos jogos de vídeo pode ser experimentado Em vez de simplesmente ouvires ou veres como era a antiga Atenas ou quão forte era o Minotauro, podes percorrer as ruas dessa gloriosa cidade e lutar contra o feroz monstro.

Para além de algumas horas de entretenimento, os jogos de vídeo baseados na mitologia podem ser uma forma alternativa de trazer à tona mitos e lendas esquecidos.

Um dos primeiros franchises a conseguir isso é o "God of War"; uma série de jogos que mistura história e mitologia numa saga lendária de redenção e vingança, abrangendo 7 jogos.

Nesta publicação do blogue, vamos analisar os mitos e as lendas por detrás de "God of War", o título do franchise que deu o mote para o resto da série.

AVISO: Adiante com spoilers.

O jogo "God of War (2005)" é exato?

Antes de nos colocarmos na pele de Kratos e lutarmos contra deuses, monstros e mortais, falemos da exatidão histórica e mitológica.

Não é segredo que os jogos e os filmes nem sempre são fiéis à fonte. "God of War" não é diferente.

Mas, na minha opinião, isso é bom.

A mitologia era, na sua forma original, uma tradição oral. As pessoas simplesmente contavam histórias, passando-as de geração em geração, com base em velhos contos folclóricos e arquétipos interiorizados.

A partir do momento em que a escrita se generalizou, os poetas e os artistas começaram a documentar as histórias mitológicas, mas só podiam escrever a versão que conheciam e que, consoante a época e o local, era muito diferente da seguinte.

Assim, acabámos com uma grande variedade de histórias diferentes que se contradizem umas às outras, mas que também preenchem as lacunas.

Por exemplo, se lermos a Teogonia de Hesíodo e a compararmos com a conceção de Homero dos 12 olimpianos, descobriremos que há muitas inconsistências no que diz respeito aos deuses.

E se pensarmos que os contadores de histórias mudavam as suas histórias de cada vez que as contavam, podemos compreender que, no que diz respeito à mitologia, estamos a lidar com um organismo vivo e que respira!

A franquia God of War - todos os jogos de vídeo baseados na mitologia - mantém-se fiel a isso. Quando muito, está simplesmente a acrescentar mais um fio, um universo mitopoético alternativo, à grande árvore da mitologia grega e nórdica.

Kratos: O Fantasma de Esparta

A personagem principal do jogo parece ser um poderoso guerreiro espartano. A sua aparência ameaçadora e o seu poder brutal e bruto estão de acordo com as lendas que rodeiam a cidade-estado.

Os espartanos eram famosos pelas suas proezas militares e pelo seu treino intenso, valorizando a disciplina e o domínio, colocando os seus jovens no "Agoge", um programa rigoroso que durava mais de 20 anos.

Eram uma cultura guerreira, que procurava aperfeiçoar a sua força física e a sua resistência mental, de modo a estarem sempre preparados para a dureza do campo de batalha.

Desde os acontecimentos da Ilíada até às Termópilas e à guerra do Peloponeso, ainda hoje se ouvem histórias e mitos sobre a superioridade da falange espartana.

Está bem documentado que os guerreiros entravam num estado frenético durante a batalha, semelhante ao dos berserkers nórdicos.

(Facto mitológico: usavam cores vermelhas para poderem esconder feridas e sangue)

A frase "Ou com isto ou nisto" era um desejo de despedida que as mães faziam aos soldados, significando que deviam regressar vitoriosos, segurando os seus escudos ou em cima deles, mortos e festejados pela cidade.

De facto, durante os flashbacks, vemos um Kratos implacável a matar todos os que se interpunham no caminho da vitória. Ele foi treinado para ser assim. Mas, mais importante, o Deus da Guerra tinha-o escolhido como acólito...

Quem é o Deus da Guerra?

O título do jogo pode sugerir que se está a jogar na pele do God of War. Há alguma verdade nisso, mas já lá iremos.

Na realidade, o deus grego da guerra é Ares, filho de Zeus e Hera, que representa o espírito da batalha, a personificação da sede de sangue e dos aspectos brutais da guerra.

Embora o seu equivalente romano, Marte, fosse amplamente celebrado como o pai do povo romano, na Grécia ele não era tão popular. Odiado tanto pelos deuses como pelos mortais, apenas os guerreiros e os mercenários adoravam a divindade que empunhava uma espada.

Os espartanos consideravam-no um modelo de guerreiro e tinham erguido uma estátua de Ares acorrentado, o que significava que o espírito de batalha estava sempre presente na cidade.

A irmã de Ares, Atena, era a outra face da mesma moeda; personificava a liderança e a estratégia em vez da violência sem sentido.

(Facto mitológico: Ares tinha dois filhos, Fobos e Deimos, o medo e o terror, que acompanhavam o pai nas batalhas, espalhando essas emoções pelos seus inimigos)

No jogo God of War, ele é corretamente retratado como impiedoso e implacável.

Kratos está à beira da morte depois de perder uma batalha contra um rei bárbaro. Ele promete servir Ares em troca do poder e da força para derrotar os seus inimigos.

O Deus da Guerra concorda e dá-lhe as Lâminas do Caos. Equipado com estas armas poderosas, Kratos consegue prolongar o derramamento de sangue.

Durante uma das suas incursões, Ares esconde a família do (anti)herói numa aldeia, na esperança de que, uma vez sem laços, ele se torne o derradeiro instrumento de guerra.

O nosso protagonista, cego de raiva, mata-os e, quando se apercebe do que fez, jura vingança contra Ares.

Criaturas mitológicas, deuses e relíquias no jogo God of War

Atormentado por visões de pesadelo, Kratos pede para servir os Deuses do Olimpo, na esperança de encontrar paz e redenção.

Após 10 anos sob o seu comando, cansado, Atena promete-lhe que, se conseguir matar o seu irmão - que deixou a cidade de Atenas em ruínas -, os deuses perdoar-lhe-ão.

O primeiro passo é encontrar...

Caixa de Pandora

Na mitologia grega, depois de Prometeu ter roubado o fogo aos deuses, Zeus quis castigá-lo.

Apresentou Pandora, uma mulher mortal, ao seu irmão Epimeteu, e deu-lhe também uma caixa para guardar, mas ela acabou por a abrir,

Continha a doença, a morte, a miséria, todos os males do mundo.

A caixa de Pandora é uma alegoria sobre presentes que acabam por ser uma maldição, uma bênção disfarçada.

(Nietzsche disse que "Pandora trouxe a caixa dos males e abriu-a. Por isso dá ao Homem esperança, que na realidade é o pior de todos os males, porque prolonga os tormentos do Homem").

No jogo God of War, a Caixa de Pandora dá-te o poder de matar um deus.

Naturalmente, Kratos começou a sua jornada para o encontrar, mas o único problema é que está localizado na parte de trás do...

Cronos

Cronos foi um poderoso Titã que destronou o seu pai, a divindade primordial Urano, e governou durante a Idade de Ouro.

É representado a segurar uma foice, sendo o patrono das colheitas.

(Facto mitológico: Celebramos o Natal em dezembro porque seguimos o calendário romano, especificamente o festival de Saturnalia em celebração de Saturno, o equivalente romano de Cronus)

O poderoso Titã teve o mesmo destino e foi derrotado pelo seu filho, Zeus, durante a Titanomaquia.

No jogo God of War, Zeus está a castigá-lo fazendo-o carregar o templo de Pandora através do deserto. Kratos, depois de subir durante três dias, consegue entrar no templo onde enfrenta muitos perigos...

Monstros mitológicos no jogo God of War

1. a hidra de Lernaean

Segundo os mitos e as lendas, a Hidra era uma criatura aquática gigante, semelhante a uma serpente, com várias cabeças e com a capacidade de regenerar duas por cada uma cortada. Diz-se que o sangue, o hálito e o cheiro da Hidra também eram mortais.

O monstro aparece nos 12 Trabalhos de Hércules, mas há muitas referências a uma besta semelhante nas mitologias suméria e babilónica.

É a primeira chefe batalha do jogo, com Kratos a matar a Hydra.

2. minotauro

Durante o jogo, vais encontrar muitos minotauros, metade humanos, metade touros, que são inimigos ferozes.

O Minotauro era o filho da mulher de Minos e de um touro sagrado e branco.

O monstro aparece no mito de Teseu.

Todos os anos, 9 atenienses eram dados de comer ao Minotauro que estava fechado num labirinto concebido por Dédalo. Quando Teseu entra no Labirinto, mata-o e consegue encontrar a saída, seguindo o fio de Ariadne.

3) Medusa

Entre o exército de Ares, Kratos tem de enfrentar a raça das Górgonas e a sua rainha, Medusa.

Mas na mitologia grega, as górgonas eram três irmãs: Esteno, Euríale e Medusa, esta última, a mais famosa, foi morta por Perseu no famoso mito.

Perseu, olhando para ela apenas através do reflexo do seu escudo, consegue cortar-lhe a cabeça.

4) Cerberus

Também chamado de Cão de Caça de Hades, Cérbero era o guardião do Submundo.

Cérbero é representado como um cão gigante de três cabeças, com uma cauda semelhante a uma serpente e muitas cobras a sair do seu corpo. Hércules capturou o cão infernal durante um dos seus 12 trabalhos.

Kratos vai enfrentar vários Cerberi, os Guardiões do Templo de Pandora.

5. ciclopes

Gigantes de um olho só, com imenso poder, foram usados por Ares durante o cerco de Atenas e agora guardam partes do Templo de Pandora.

Encontramo-las em duas versões diferentes:

  • Os três ciclopes, Brontes, Steropes e Arges, filhos de Gaia e Urano, forjaram os raios de Zeus e aparecem na Teogonia de Hesíodo.
  • Os ciclopes homéricos são criaturas incivilizadas e de mente simples. Polifemo aparece na Odisseia como um gigante selvagem, zarolho e comedor de homens.

Kratos lutará contra uma amálgama de ambas as versões!

O Kratos do jogo de vídeo God of War é real?

Kratos consegue derrotar todos os inimigos e superar todos os desafios que Ares lhe lança, encontra a Caixa de Pandora e está pronto para deixar o templo quando o Deus da Guerra o mata.

Na fase seguinte do jogo, o Fantasma de Esparta encontra-se nas fossas do submundo, tentando sair do inferno.

E não é de admirar, dado o seu nome.

Na mitologia grega, Kratos era a personificação da força e, juntamente com os seus irmãos Nike, Bia e Zelus, vivia com Zeus, mantendo e expandindo a sua autoridade.

Encontramos Kratos pela primeira vez em Teogonia, mas ele é mais famoso pela sua aparição na tragédia Prometeu Ligado :

Zeus ordena a Kratos e a Bia (Força e Poder) que acorrentem Prometeu, como castigo pelos seus pecados.

Como já referi, os quatro irmãos representam o regime autoritário do todo-poderoso Olímpico, mas, desta vez, Nike e Zelus (Vitória e Zelo) estão ausentes, evidenciando o lado opressivo do tirano Zeus: a violência excessiva.

Kratos acaba por ordenar ao bondoso Hephestus que use força excessiva quando acorrenta Prometheus, para infligir o máximo de dor desnecessária.

Isto está de acordo com a visão do mundo de Kratos no jogo e é também a sua ruína, a arrogância primordial contra as leis naturais do mundo.

(Facto mitológico: Os criadores do jogo afirmam que não sabiam que o nome tinha uma origem mitológica. Foi um "erro feliz").

Apoteose

Eventualmente, Kratos consegue escapar ao submundo e recuperar a Caixa de Pandora de Ares, ganhando os poderes de um Deus.

De facto, Ares não consegue fazer nada contra o imortal vingativo e cai pela sua espada.

Kratos torna-se o novo God of War.

Esta apoteose significa a mobilidade divina, a capacidade de se tornar um Olímpico.

Motivado pela pura força de vontade que só as dificuldades de um mortal oferecem, ele está metaforicamente a escalar o Monte Olimpo, pronto para reclamar um lugar à mesa.

O nosso protagonista é um anti-herói herculiano, um peão dos Deuses, um instrumento de guerra, utilizado para cumprir os caprichos de um jogo divino e perverso.

A sua viagem começa a partir de um lugar de força e brutalidade.

Mas termina com justiça.

P.S - Kratos é um produto do seu ambiente, representa o caminho negro que muitos guerreiros percorrem. Achas que o arco da história o redime?